quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Rúbia (parte 1/5)

Éramos três crianças naquela rua pobre. Um trio inseparável. Eu, o mais velho, nunca dizia o que faríamos, mas acabava dizendo o que deveríamos fazer. Alexandre era mais novo que eu, e incrivelmente esperto: sempre tinha uma resposta irreverente, fazia os adultos rirem e deixava outras crianças como nós de boca aberta. E Rúbia... ah! Rubia era linda... daquelas crianças de comercial loirinhas, sorridentes e de olhos muito claros. Desnecessário dizer que, à medida em que crescíamos, eu me apaixonava por ela.

Fazíamos tudo juntos: nos dias frios, brincávamos sobre um cobertor na casa de um ou de outro. Lareras acesas e chocolate quente aqueciam nossos corpos, enquanto nossa companhia aquecia nossos corações. Nos dias quentes, as tardes intermináveis eram vencidas dentro de piscinas de lona, ou com um bom sorvete na praça. As férias escolares, às vezes nos afastavam. Mesmo tristes, mantínhamos a esperança de que sempre voltaríamos a nos ver.

Alexandre e eu fizemos mais amigos. E logo nosso grupo já tinha mais de dez pessoas. Mas as brincadeiras começaram a ficar sem graça... os chocolates já não nos atraíam. As tardes não pareciam mais maravilhosamente intermináveis. Sorvete não era mais a coisa mais importante do mundo.

Rúbia também fez amigas. Andava com, pelo menos, mais seis garotas. E não preciso dizer que a confusão estava armada quando éramos dezesseis pessoas ou mais na mesma casa.

A adolescência era mesmo a fonte das confusões e aventuras. Saíamos em bando, com pouco dinheiro. Achávamos algo para beber por poucas moedas e vencíamos as noites através da boemia. Eu, poeta, recitava coisas às garotas. Alexandre ridicularizava o cotidiano, arrancava risos. Rúbia ficava cada vez mais bonita aos meus olhos. E eu temia que não fossem apenas meus olhos que a vissem assim.

Como éramos mais rapazes que garotas, decidimos que jamais brigaríamos por elas. Nos reunimos sem elas e fizemos o pacto: se alguém se declarasse naquela noite a uma delas, só poderia desistir a mando da escolhida. No meu caso era Rúbia. Naquela noite mesmo, eu disse que havia escolhido ela. O grupo consentiu. aprovaram.

Uma semana depois, Alexandre havia se declarado a Rúbia. A festa era no meu apartamento. Ele mesmo queria me contar sobre o pacto quebrado. Entregou-se honradamente pronto para receber alguma punição ou maldição de minha parte. No momento, foi-me um grande choque. Mas ele era tão divertido; e ela precisava mesmo sorrir. Achei que, mesmo com o pacto a meu favor, eu tinha toda a desvantagem. Abençoei a união dos dois. Apoiei em tudo quanto pude.

O tempo passou e as coisas ficaram mais difíceis na minha casa. Minha mãe me dizia que as festas só continuariam se eu arranjasse um emprego. A vida boemia havia acabado com as economias dela. E esse estilo não combina com quem vive pagando aluguel e tem família para sustentar. Consegui um emprego. Fui o primeiro do grupo a isso. Mas eu era o mais velho, isso era justificável.

Elisabeth era uma garota que não desgrudava de Rúbia. Certa noite bateu na porta do meu apartamento querendo as novidades. Contei tudo. Na outra noite, lá estava Elisabeth querendo saber mais de mim. Quando ganhou minha confiança, Elisabeth já sabia muitos dos meus segredos. E nessa época, eu já tinha um carro. Eu até levaria Rúbia para passear, mas ela estava com Alexandre, ele poderia se importar.

Elisabeth andou comigo por todos os lugares. Até que entendi que ela prefiria a minha companhia porque ninguém mais do grupo poderia estar com ela. Ela já havia ficado com vários rapazes. Estar na minha presença só provaria que ela não era interesseira, que ela poderia ter um amigo homem. Passamos um ano-novo juntos, nunca com segundas intenções. Encarávamos qualquer estrada no meu carro. Ela cozinhava, acampávamos,... e eu estava me esquecendo do platonismo por Rúbia.

Finalmente Elisabeth mostrou que estar comigo era bom, desde que eu oferecesse algo. Numa dessas viagens, meu carro quebrou e tudo que ela fez foi pegar uma carona e me abandonar na estrada. Eu tive de dormir dentro do carro, mas não consegui, porque meu pensamento estava na traição dela.

Dias depois, não atendi mais Elisabeth. Me escondi dela. Numa festa de um amigo ela me encontrou confessando "ser maldade" o que ela fez. Eu a corrigi dizendo que "maldade" é um troféu muito bonito para a imbecilidade que ela fez contra mim. E não nos falamos mais.

Algum tempo depois, eu já havia conseguido um emprego melhor. E, numa noite, bateram à porta de meu apartamento novamente. Era Rúbia. É claro que eu abri...

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