sexta-feira, 26 de março de 2010

Cinza (Parte I)

Foram embora. Felizmente nem ficaram para o café. vieram só por causa do Marco. Pobre Marco. Perguntaram a mim onde eu o vi pela última vez. Em pleno século XXI? Deus tenha pena!

Na última vez que vi Marco, era domingo à noite. Na manhã, joguei fora a caixa de leite... quase nova. Meu celular tocou na hora da ducha. Era um dia daqueles em que a gente fica p. da vida. Saí do chuveiro, molhei todo o banheiro, passei as mãos e o lado direito da cabeça na toalha e, finalmente, apertei a tecla verde do maldito telefone celular.

Era Marco. Dizia que tinha saudade e grana fácil. Tudo pra mim. Marco. Dois ou cinco anos sem nos vermos... não sei... com certeza não lembro... e que dane-se isso. Ele fazia questão de falar comigo, tinha um negócio a me propor.

Estudei bastante. A vida inteira. Sempre tive carros dos anos 90. O estudo não compensou o bastante. Nunca vou ter meu Mazda. Nem Porsche, nem Corvette... talvez, com a grana que eu muito poupasse, conseguiria uma pick-up. Não interessa agora. Grana sempre vem bem. Eu até gosto de carros dos anos 90.

Banho acabado. E-mails respondidos. Que droga, Glória! Porque você mora tão longe de mim? Ter você comigo seria a glória. E só. Glória: ela por ela mesma. O único café da cidade que abre aos domingos... tomara que meu café não tenha baratas.

Hugo estava lá. Grande Hugo. Líder de grupo, respeitado até pela polícia. Se você não olha pra ele, vai morrer. Se você olha pra ele, você já está morto. É só levantar a mão. Cumprimentar. Não tomar-lhe tempo. Hugo mandou um daqueles capachos... parecia um tapete, só que com braços. Me deu um recado importante: Marco queria falar comigo. Hugo é um idiota. Mas, se ele lesse pensamentos, nunca mais eu poderia tomar café. No máximo, eu tomaria sopa por um canudinho. Não sou otimista. É melhor que pensem que sou um burro calado, do que confirmarem que sou um burro falante.

Deixei cinco mangos com meu mensageiro. Três pelo café, dois pelo silencioso garçon. Se eu quiser continuar com meu carro, o negócio é embarcar em um táxi. Que cidade feia! Dá pra ouvir tiros. E são dez da manhã.

Engarrafamento. Blitz. Só chego ao centro ao meio-dia. Tem algo errado. Não sei o que é. Chove no calçadão. Cid, dono da banca de jornais quer papo. Ouço suas histórias. Diz que teve dezenas de mulheres. São boas histórias. Só histórias. Almoço em bandejas. Trabalhei tanto para chegar até aqui? Um quase-restaurante de quinta categoria. Eu queria ligar para Glória. Só poderia mandar uma mensagem pelo celular. Meu celular? Lá no café.

De volta. Mais um capacho de Hugo ali. Sozinho. Assim que me viu, correndo me entregou o telefone. Disse que eu deveria abrir mais os olhos se quisesse continuar vivo. Que celular pesado...

Outro táxi. A ala leste da cidade. A cada dia que passa, o céu é mais cinza. São seis da tarde. O motorista limpou minha carteira. A casa de Marco, no terceiro piso. Ele mesmo abriu a porta. Um abraço. Vamos ao seu escritório. Sentou, pôs os pés na mesa. Disse que precisava abrigar dois "colegas" dele. Eram traficantes. Os três. Eu disse que iria pensar. Dei-lhe outro abraço*.

Quando cheguei à esquina, meu celular tocou. "Marco" estava escrito no visor. Ele atendeu e uma bucha de chumbo atravessou a cabeça dele. Voltei ao seu escritório e joguei os dois celulares fora. Marco, sem um pedaço da cabeça, morreu. Minha irmã era apaixonada por um traficante. Morreu de overdose. Odeio traficantes.

(*Foi aqui que troquei os celulares.)

Um comentário:

  1. Nossa... q conto digno de ser postado no recanto! Muitos leriam!! Muito MUITO BOM!!!!
    beijos na alma amigo bier

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