quinta-feira, 10 de março de 2011

Rúbia (parte 5/5)

Deixei que ela me abraçasse. Dessa vez, ela tinha uma marca vermelha no rosto. Isso me deixou furioso. Eu a carreguei para dentro, deitei-a em minha cama e a deixei chorar. Até que ela dormisse. Quando ela acordasse, não me veria mais ali. A menos que eu fosse rápido...

Bati à porta da garagem da casa de Alexandre. Fazia anos que eu não o via. Mas eu estava zangado o suficiente para amassar todo e qualquer passado. Ele abriu a porta com cara de indignado, estava todo despenteado e tinha farelo de algum lanche por sua roupa. Um largado dentro de casa. Levantou-se da frente do computador tentando ser rápido, estava na internet, provavelmente jogando.

Ele estava enorme. Os anos o deixaram gordo. Mas também maior que eu. Me olhou com desdém. "O que você quer?" - ele me pergunta. "Só dizer que você não sabe o que tem em suas mãos... mesmo assim, torna a disperdiçar. Uma vez não bastou pra você se arrepender?" -  questionei. "Problema meu, cara." - foi sua resposta. E fechou a porta, comigo no patio ainda. Eu bati na porta de novo.

"Se me der licença, tenho mais o que fazer." - zombou ele. "Pro inferno, cara... a vida inteira vai ser assim? Você suja, eu limpo, você põe a culpa em mim, eu continuo limpando..." - "Termine o seu show e vá embora!" - ele se escorou na porta com cara de sono. Eu fui até o meu carro dizendo "Mas que boa ideia! Vou embora." - entrei no carro e liguei o motor. "Mas antes... vou terminar o show."

Não tenho orgulho em falar dos fatos que ocorreram depois disso. Eu não tenho armas de fogo. Não tinha peso nem altura para lutar contra ele. Mas pensar no estado em que Rúbia estava me fez derrubar aquele maldito portão e encarcerar a metade da frente do meu carro naquela porta de garagem. O cinto de segurança aliviou o impacto, mas não minha tontura.

A poeira baixou e entendi que atrás daquele porta de garagem havia um sofá. Alexandre estava no chão, mas não era burro a ponto de ser atingido por um golpe tão previsível. Ainda tonto, saí do carro e fui andando em direção a ele, que estava bem no meio daquela garagem que ele chamava de quarto, deitado. Eu queria ter qualquer coisa para acertá-lo na face esquerda, como ele havia feito com Rúbia. Não tinha nada em minhas mãos, e ele parecia debilitado.

Ergui-o pelo colarinho e dei-lhe o primeiro soco. "Isso é pela marca que você fez no rosto da Rúbia. Não o perdoo por isso!" - Ergui-o novamente: "Isso é por todos os meus amigos, que não são mais meus amigos graças a você!" - bati-lhe com mais força, desta vez ele cambaleou até a mesa onde estava seu computador.

"E isso..." - eu gritava - "... será pela nossa amizade. A mesma que você destruiu com suas mentiras. Nenhuma garota deveria valer isso!" - E quando dei o primeiro passo em direção a ele, pronto para sentir o estalo de um ou outro osso da face em minhas mãos, ele tirou daquela mesa uma Winchester 22 e apontou para mim. A apresentação do objeto prateado paralisou-me. "Te ajoelha agora!" - ele gritou. E eu obedeci.

A mãe de Alexandre entrou na sala, não sei dizer em que instante isso aconteceu. Poderia ter sido antes de minha colisão com a porta da garagem. Isso não importava. A Winchester estava apontada para minha cabeça. A mãe de Alexandre estava desmaiada. Também não sei quando aconteceu. O momento crucial havia chegado. Ele estava pronto para acabar comigo. Comecei a pensar em minha mãe... em minha família. Valia a pena terminar com tudo naquele momento?

Rúbia entrou pela porta da frente. Sua boca estava aberta, mas ela não dizia uma única palavra. Passou pelo corpo desanimado da mãe de Alexandre e nos observou. Alexandre se aproximou de mim. "Sem esse carro, o que sobrou de você? Sabe a Elisabeth? Era só isso que ela gostava em você." -  ele provocava. Rúbia o interrompeu: "Alexandre, você não vai..." - "Cala a boca!" - ele gritou, enquanto se aproximava de mim. "Você pensa que tem o direito de me dizer o que fazer, mas eu sei de mim!!!" - discursou olhando para ela. E segurei-lhe pelo pulso.

Rolamos pelo chão da garagem. Escapei de Alexandre e peguei a maldita arma. Levantei, cheio de dor e gritei: "Ajoelha, desgraçado!" - "Vai me matar?" - ele disse, quase sem emoção na voz. "Não... mas pode ser que eu te deixe usando muletas..." - apontei a arma para sua cintura "...ou fraldas pelo resto da vida!" - Respondi. E ele se ajoelhou.

"Eu tenho motivos de sobra pra puxar esse gatilho... mas..." - eu disse até ser interrompido: "Não!" - gritou Rúbia, e se colocou entre mim e ele, com seus braços abertos.

"Mesmo assim, você o ama?" -  eu perguntei sem esconder a decepção. "Eu não sei...." - ela respondeu chorando. Joguei a arma nos pés dela. E fui caminhando para o meu carro. Tirei-o de lá com dificuldade. Não havia mais faróis, mas as luzes da cidade me ajudaram. Saí de lá rápido, pois certamente a polícia já havia sido chamada pelos vizinhos. Não tenho certeza, mas acho que eu ouvi Rúbia chorar. E parti.

Não houve como esconder de mamãe o estrago do carro. Eu contei a ela uma bela mentira: havia voltado a beber e, após exagerado na dose, acabei batendo o carro. Ela se sentiu horrível. Mas talvez se sentisse pior se soubesse a verdade.

Li nos jornais a coluna social. Rúbia estava em meio a grandes festas da alta sociedade. Mas não vi Alexandre em nenhuma foto. No mesmo jornal, um anúncio da empresa onde ele trabalhava, até onde eu soube.

Não há uma noite em que eu não pense em como tudo teria sido se um de nós tivesse puxado o gatilho. Nunca mais vi Rúbia. Nunca mais vi Alexandre. Mas eu encosto a cabeça no travesseiro. E rezo por eles. E rezo por mim. E durmo. Acho... que durmo feliz.

2 comentários:

  1. (aplausos) Muitoo bom! Essa merecia ser aplaudida de pé! Adorei.
    Aguardo a próxima. :D

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  2. ok, continuo com raiva de Rúbia...

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