quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

3 ocasiões em que a vida imitou a arte (e pagamos um alto preço)

Numa outra ocasião, eu expliquei que a humanidade não aprende mesmo, por maior que seja o talo resultante do murro dado na ponta da faca. E acredito que as coisas sempre foram assim. Hoje, eu descolei um tempinho pra mostrar 3 das diversas oportunidades que a humanidade teve para ficar calada, mas abraçou uma causa e o resultado foi catastrófico.

Werther e a onda de suicídios


O alemão Johann Wolfgang von Goethe publicou em 1774 sua obra, um marco do Romantismo na Literatura Mundial. O livro conta, através de cartas escritas por Werther endereçadas a um primo, como este se apaixona perdidamente pela jovem Charlotte (ou Carlota, dependendo da tradução). Ela, por sua vez, já é prometida de um outro homem. A vida de Werther não encontra maiores significados se não o de estar sempre ao lado de Charlotte.
Vendo que seus avanços são infrutíferos, ele se afasta dela e de seu prometido, mas não resiste aos impulsos da paixão. Cada "não", cada xingamento e mesmo cada bofetada acabam aumentando ainda mais essa paixão doentia. O protagonista, não vendo saída para a situação, pede uma arma de caça emprestada do noivo de sua amada e com ela tira a própria vida.


A obra havia sido traduzida para os mais diversos idiomas europeus, acabou causando o "Efeito Werther": muitos dos leitores se identificaram com as causas do protagonista, o amor impossível, gerando uma onda de suicídios em massa por toda a Europa. O comércio do livro chegou a ser proibido por, pelo menos, 4 anos, voltando a circular quando Goethe trocou a alcunha da obra de "Werther" para "Os sofrimentos do jovem Werther", como uma espécie de alerta para os leitores sobre os conteúdos de seu romance. Não se tratava de uma história de amor, mas de um drama.
Até hoje, o Efeito Werther é estudado.  Ele só recebeu esse nome dois séculos após a época de seu boom, mas carregava a alcunha de "O mal do século". No entanto, ainda existem estudos sociais em andamento sobre pessoas que "emulam" o suicídio, usam personagens como seus modelos para sentir-se encorajados ao ato suicida. Werther é um caso de referência, pois muitos dos suicidas que se ocorreram após o lançamento do livro estavam vestidos de modo semelhante ao protagonista (calças amarelas e jaquetas azuis). 
Não podemos dizer que a humanidade não aprendeu nada, considerando que hoje em dia os suicídios são pouquíssimo divulgados, como prevenção a uma hipotética onda de suicídios que possa ser gerada. 

O dia em que quase ocorreu a Guerra dos Mundos





A Rádio Calumbia Broadcasting System tinha um programa periódico, chamado "The Mercury Theatre on the Air". Em 30 de outubro de 1938, o programa exibia uma adaptação em áudio da história do clássico da ficção científica "A Guerra dos Mundos", de H.G. Wells, em comemoração ao Halloween.


O problema é que o programa contava com meia hora sem intervalos comerciais, e foi tenso aos ouvintes desavisados que ouviram em primeiríssima mão uma cena em que um repórter se aproxima de um objeto redondo e é brutalmente interrompido enquanto é fritado por um raio laser (ou coisa do gênero). Posteriormente, boletins informam que Nova Iorque foi invadida por triplóides gigantescos que estavam regando os céus com veneno.



A população, "cega" pela "notícia" interditou rodovias, enquanto os mais corajosos começaram a atirar em caixas d'água acima de hotéis e prédios comerciais das cidades, já que o hábito de olhar para cima não era muito comum... muita munição e combustível desperdiçados, dor de cabeça para Orson Welles, que era diretor e narrador do programa.

A mídia da época protestou contra a irresponsabilidade da emissora de rádio, além de famosos terem declarado abertamente seu repúdio ao ocorrido. No entanto, alguns males vêm para bem: o realismo e profissionalismo colocados na obra radiodifundida de Welles se destacou na dramaturgia, e em pouco tempo ele se tornou cineasta, muito provavelmente por influência desse evento.






Imigração ilegal em massa nos Estados Unidos


Até aqui, nós vimos ocasiões em que ainda não havia internet e a velocidade da informação era bastante limitado. Mas vamos alterar alguns critérios. Agora vamos para 2005, uma época em que a internet já estava mais evoluta e acessível. Não estava barata, mas já foi barata no Brasil? Ah, sim, vamos alterar a geografia da coisa também: o caso de agora ocorreu na nossa querida Pátria Brasilis. Mas o que está em alta nessas épocas? As novelas. Qual a novela mais significativa desse ano? Nada a menos que "América". Essa novela "global" tinha entre suas premissas a entrada de imigrantes ilegais nos Estados Unidos, enquanto narrava as aventuras de Sol (Deborah Seco), uma jovem que largou o namorado Tião (Murilo Benício) para arriscar a travessia ilegal da fronteira do México com os EUA.
Eu não entendo muito de novelas, mas os problemas de direção e roteiro eram muito evidentes. A novela teve de trocar até sua trilha de abertura, já que a protagonista era mais sofrível que a Maria do Bairro, passava mais de 30 capítulos chorando. Já o personagem Tião mostrava a "beleza" da vida dos peões de rodeio, visão com a qual o diretor discordava veementemente. Glória Perez, a autora, esperava que Sol fosse alegre, já o diretor via que uma personagem com um passado catastrófico e traumatizante não poderia simplesmente deixar tudo para trás e sorrir.

Quando a protagonista decide fazer a travessia ilegalmente, os telespectadores são jogados em um banho maria de mais 30 dias até a viagem de fato. Com o auxílio de "Coiotes",  Sol realiza a travessia, mas companheiros de viagem morrem ou são presos, até que chega a sua vez de ser presa por porte de drogas, uma vez que seu "Coiote" estava a usando como "mula".
E querem saber o que é pior? Mesmo com toda essa ferração pra cima da protagonista, os números da imigração ilegal quadruplicaram, segundo a embaixada brasileira nos EUA. Isso aí! Sol mostrou que o inferno a esperava do outro lado da cerca da fronteira, mas automaticamente incentivou milhares de pessoas a fazer o mesmo.

Depois de alguns dias, Sol foge da prisão e tenta a vida como dançarina de boate, onde conhece um americano gente boa que acha que a miscigenação é algo bom para seu povo. (Aham! Tá bom... ele tava querendo é ver os Países Baixos da Sol, isso sim...) Mas a ex-namorada do rapaz é uma eleitora nata do Donald Trump, e quer mais é que os imigrantes se fodam. E a novela ainda agracia seu público colocando o peão Tião a ter sonhos delirantes com o boi Bandido, incluindo a ideia de que o boi é feito de ouro.


Piorando tudo, as ONGs protetoras de animais não gostaram nada das cenas que endeusavam a vida nos rodeios; grupos conservadores eram conta o casal gay da novela (e a cena do beijo chegou a ser gravada, mas cancelada por medo de uma reação negativa do público); e a protagonista Sol estava intragável no último bimestre da novela... Claro, a novela também abordou com audácia outros temas como a pedofilia, a cleptomania, a adaptação do deficiente visual... mas grande parte do público estava a fim de ver a Sol se ferrar. O final parece ter sido feito "com o que dava pra fazer", e a novela se encerra com a protagonista obtendo o Green Card, a cidadania norte-americana. Mesmo assim, o público se deixou levar pela ficção, na qual uma brasileira se escondeu em um porta-malas e em uma caixa de um aparelho televisor.

Claro, houve mais ocasiões em que a ficção influenciou diretamente na vida das pessoas. Hoje temos cientistas que estão estudando a possibilidade de estarmos vivendo na Matrix, crianças pulam janelas imaginando ser o Homem Aranha ou o Naruto, pessoas acreditam que podem ser felizes matando pessoas, como Dexter... etc. Mas o real papel da ficção não seria aliviar as impossibilidades que o limite da existência nos traz?

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