O GJ era um bom aluno meu. (Eu vou identificá-lo assim por razões que já coloquei em posts anteriores.) – Confesso que no início, o GJ estava numa turminha difícil: segundo ano do ensino médio no turno da tarde, nos calores escaldantes da cidade de Taquara. Eram apáticos. Você, no papel de educador, ficava longos minutos exemplificando, explicando, tentando comprovar teorias e ouvia apenas o “cri-cri” dos grilos.
(Quino) |
Poucas semanas depois de ter começado o trabalho com aulas de Língua Portuguesa e Literatura, o GJ comentou que gostava de ler Harry Potter. Ele um dos poucos que respeitava meus conhecimentos. Embora também não se manifestasse numa turma “muda”. Se bem que, convenhamos, é difícil você conversar em um local em que ninguém mais se manifesta, não?
O ano passou e o GJ ficou em duas disciplinas. Uma delas era Língua Portuguesa e a outra era Física (se a memória não me prega peças). Mas o professor da outra disciplina disse “ah, bota ele no provão. Não precisamos reprovar o guri!”.
Essa preguiça desse outro professor me deixou irritado. Eu também poderia dar os pontos para o GJ e tava tudo certo. Mas nós, professores, tínhamos o consenso de não passar ninguém por poucos pontos. Isso era motivo de Provão: uma única disciplina com toda a matéria do ano, para que o aluno prove que aprendeu, sim.
Quero acrescentar: o GJ não era o único aluno daquela turma que havia pegado o provão. Em Língua Portuguesa, sim. Mas havia outras matérias que estavam colocando a galera para estudar as férias inteiras.
Terminada a reunião e estava decidido (sob meu protesto, mas ainda assim): GJ faria o provão de L.P. comigo, no primeiro dia do próximo ano letivo. E aí, a dúvida: ele merecia passar por aquilo?
(Breve explicação de porque o provão tinha de ser comigo) |
Os meses das férias voaram, e eu preparei a prova de L.P., receoso. Ele era um cara legal, disso eu tinha certeza. Eu estava proibido de passá-lo. Mas o pior ainda estava por vir...
Chegou o esperado primeiro dia de aula. Os alunos ganhavam o número das salas onde haveria a aplicação do provão. Quando o diretor gritou “GJ, sala 402, Língua Portuguesa com o Prof. Roberto!”, o GJ saiu do meio da multidão indignado:
- Isso é uma afronta! Ninguém me avisou que eu havia ficado no provão!
O diretor emudeceu. Eu tentei parecer calmo.
Fomos caminhando para a sala, o GJ de cabeça baixa, zangado. Eu, em silêncio.
- Vai cair toda a disciplina do ano, professor? – ele me questionou, já incrédulo. E era mesmo muito azar para o cara.
- Na verdade, o que eu mais queria era verificar as tuas condições para seguir no terceiro ano, meu caro. Por isso o provão de Língua Portuguesa é 80% sobre interpretação de texto e 20% sobre gramática-base.
GJ ficou mudo. Fez a prova em silêncio, entregou e esperou ansiosamente pelo resultado.
Eu estava muito tranquilo. Sabia que ele era capaz. A nota? Meu amigo GJ tirou 9,2. Foi uma satisfação muito grande encontrá-lo no terceiro anos do E.M., desta vez na turma da noite, longe dos apáticos e com outras responsabilidades. O GJ cresceu em pouco tempo. E u o encontrei em shows de rock locais e, algumas vezes, terminamos a noite filosofando pelas ruas.
Ontem (5/10/2014), GJ me chamou. Queria me desejar feliz dia do professor. Não leciono há 4 anos, mas o cara não esquece. Nem eu, meu amigo. Obrigado por fazer parte disso tudo!
Hahaha...eu sei quem é o GJ!
ResponderExcluirÉ claro que tu sabes... O importante é que ele não foi prejudicado. E outra, até hoje ele é meu grande amigo!
ExcluirPobre do guri...
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