domingo, 26 de outubro de 2014

Ferro e Sangue 4

Numa manhã ensolarada, acordei com minha irmã mais velha chamando para o café. Papai e mamãe haviam ido ao mercado da cidade, levando minha irmã mais nova consigo. A mim restaram as tarefas de varrer o pátio e limpar o dojo. Resolvi começar pelo dojo, embora minha irmã tenha protestado. E ela era mais velha que eu, poderia mesmo ter razão. Eu era orgulhoso a ponto de não dar ouvidos a ela, afinal, eu já estava detestando as tarefas, mesmo. Além disso, a limpeza do dojo ajuda no condicionamento físico.

Ali estava eu, com um pano molhado, correndo por todo o dojo interior. Fortalecendo os quadris, ganhando força nas plantas dos pés, enriquecendo a musculatura das pernas. Papai poderia levar o dia todo na cidade. Naquele dia, devido a esse compromisso dele, não tínhamos treino no dojo, então os garotos não compareceram. “Talvez fosse melhor assim...” eu pensava “...pois papai me faria treinar muito mais nas ocasiões em que estou sozinho.”

No cair da tarde ouvi batidas estrondosas no portão do pátio. Larguei a vassoura (nosso pátio era realmente grande, eu ia levar o dia todo). Abri a porta prudentemente. Era um homem com cabelos longos e sobrancelhas assustadoramente grossas, além do cavanhaque. Vestia um traje chinês com ombreiras que pareciam ser metal. Nas suas costas, um volume cúbico de madeira (que lhe servia de mochila) e dois volumes longos que provavelmente eram espadas.


- E então, garoto, não vai me desejar “boa tarde”?
- Bo-boa ta-tarde! – gaguejei.
- Esse é o Dojo da família Masato, não é?
- Sim... sim, senhor!
- Então, saiba você que eu sou amigo de seu pai.

Como esse homem sabia o nome da nossa família, achei que fosse conveniente mostrar que nosso clã ainda era, como desde a antiguidade, hospitaleiro; e o deixei entrar. Minha irmã não parecia ter concordado, então pedia a ela para esquentar água para o chá e o deixei esperando no dojo interior.

Ele estava ajoelhado no centro do dojo, olhava fixamente para as espadas de meu pai e para os nomes dos alunos na parede.
- Eu pensei que Osamu Masato era o senhor da espada, neste dojo... – comentou ele.
- Esse é nome do meu avô. Meu avô não vive mais pelo caminho da espada. Ele raspou a cabeça e virou um monge. – Expliquei.
- Então o senhor desse dojo é o seu pai? – Perguntou ele.
- Sim, senhor.

O silêncio reinou por alguns momentos. Logo ele retomou a palavra:
- Sabe, garoto, o seu avô e eu construímos este dojo. Isso aconteceu antes da Nova Era.
- Meu avô me contou que muita gente ajudou na construção do Dojo. Mas eu era tão pequeno que não lembro de nenhum nome.
- É mesmo? – Sorriu ele, parecendo surpreso. E, posteriormente, pude sentir certa malícia em seu sorriso. – É bom saber que ele reconhece...

A porta interna do dojo se abriu. Era minha irmã, com um fumegante chá. Os olhos de nosso “hóspede” arregalaram-se.
- Chá? Eu não lhes falei quem eu sou?
- Si-sim... – respondi. - ...ma-mas o senhor terá de se contentar com isso até a chegada de meu pai...
- Isso é uma afronta! Eu mereço, no mínimo, o melhor saquê desta casa! – e ele levantou-se violentamente, jogando com os pés a bandeja, a mesa e virando todo o chá, a poucos centímetros de meus joelhos. – Se eu fosse você, me arranjaria isso agora!

Eu poderia ter defendido a honra da minha família naquele instante. Mas eu estava paralizado de medo. Eu deveria ter dito que a nossa casa era honrada e não servia saquê a qualquer pessoa. Que eu só fazia aquilo que meu pai permitisse. Que não difamasse nossa casa. Mas eu estava mudo. E paralizado. De medo.

Continuei ajoelhado. A porta, atrás daquele homem se abriu. Os raios dourados do Sol que se pusera escondiam o semblante da pessoa que entrava vagarozamente.
[...]

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Talvez você queira ler os episódios anteriores:
Ferro e Sangue (1)
Ferro e Sangue 2
Ferro e Sangue 3

2 comentários:

  1. Li todos os capítulos. Mas você não parece ter origem japonesa, não. Tudo isso é pesquisa? Você mesmo inventou essa história? É boa. Eu gostei, quero ver o resto.
    Bier, eu estou começando um blog também, passa lá...
    http://tudoquequeroenaoquero.blogspot.com.br/
    ...e me dá umas dicas?

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  2. Eu esqueci de dizer. Aposto que é o pai do garoto quem chegou ali, certo?

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