Revoluções estavam prestes a começar nas grandes cidades... A Era do Edo estava apagando, como a chama da vela...
Se você quiser ouvir minha história, vamos deixar a política de lado... Nós éramos uma família feliz.
Papai era um homem nervoso. Não gostava de teoria. Os alunos no dojo eram poucos, mas me faziam sentir que eu não era o único a sofrer. Certa vez, fizemos uma missão de sobrevivência, mas sem saber que era para isso que estávamos aprofundando nossos corpos nas matas da região. Ele ficou dias quieto. Quando percebeu que não entendíamos a lição, ele se enfureceu e saiu em disparada, sendo impossível alcançá-lo. Mas sempre foi assim: ele jamais explicava nada, apenas colocava em prática.
Ao menos naquela vez era abril, e fazia primavera confortante em todo o Japão. Papai fugiu por um lado que não apontava diretamente para casa, disso tivemos certeza, porque ele era astuto a ponto de imaginar que seria seguido nos primeiros minutos de fuga. Estávamos a dias de casa. Seguir meu pai estava fora de questão.
Eu fui criado com auxílio também dos alunos do dojo. Daiki era o mais velho, "O Grande Valor". Levava muito à sério tudo que meu pai dizia. Vivia me dizendo que se eu não fosse igual a meu pai, ele mesmo seria. E que eu tinha muita sorte de meu pai ser o grande Sensei Masato.
Hideki era um pouco mais velho que eu. Vivia falando que queria ficar forte e conquistar mulheres, mas nem meu pai nem o pai dele deveriam saber disso. Hideki, "A Oportunidade". Nunca perdia a chance de fazer piadas e rir de todos nós. Ele se achava o mais esperto.
Tadashi era o estudioso. "O Correto" estava sempre preocupado com a teoria dos golpes que aprendia. Ele tinha quase a minha idade e vivia me corrigindo nas posturas do kamaai de combate e na finalização dos movimentos. Às vezes eu me chateava, mas sei que ele sempre fez isso pelo meu bem.
Takeshi era o mais novo. Tinha menos cabelo e era a principal vítima das brincadeiras de Hideki, ainda quando não éramos nós quatro aprontando alguma com ele. Como ele tinha os braços e pernas mais curtos que nós, poucas vezes corremos o risco de alguma vingança. Mas ele era nosso amigo. Usava a máscara de Tengu do próprio pai para brincarmos, como se ele fosse o vilão e nós os heróis. Eu tinha pena dele, quando brincávamos de maneiras bárbaras. Mas ele sempre se levantou.
Os piores treinos eram quando meu pai treinava só a mim. Eu jamais entendi bem seus motivos, mas eu treinava o dobro dos outros rapazes, ainda assim, jamais ganhei de Daiki, Hideki e de Tadashi. Takeshi, por razões que já expliquei, era o único que sempre perdia.
Na floresta, Daiki e Hideki brigavam. Hideki achava que Daiki deveria ter alcançado meu pai. Daiki explicou que mesmo que alcançasse, ficaríamos para trás. Nenhum dos dois se entendeu. E foram cada um para um lado, deixando Tadashi, Takeshi e eu para trás.
Como mais velho, decidi que desceríamos toda a floresta. Eles foram comigo e, ao fim do primeiro dia, estávamos à beira da costa. Tínhamos fome e não havia uma rã sequer para fazermos uma refeição. Fiz com que rumássemos ao leste, já que o sol sumia no horizonte.
Pergunto-me o que seria de mim sem eles. Takeshi tinha em um saco quatro bolos de arroz. Como não sabíamos quanto tempo demoraria para voltarmos, comemos um a cada dia. Dessa vez, nossa marcha era para o lado oposto ao que havíamos saído. Como senti falta de minha mãe. Como senti falta dos banhos quentes, de ela secando meu corpo e me vestindo, me elogiando...
Senti falta do sorriso de minha irmãzinha. Senti falta da seriedade e maturidade de minha irmã mais velha. E até das atitudes amargas de meu pai. Dos treinos longos no dojo, na frente do dojo, abaixo do luar, abaixo da chuva... tudo fazia-me falta. Na terceira noite, deitamo-nos após o terceiro bolo de arroz. Esperei Takeshi e Tadashi dormirem. E chorei.
Como andamos sem cessar, os dias pareciam mais curtos. Finalmente chegamos ao último bolo de arroz. E ao quinto dia, em seguida. A partir dali, começamos a caçar animais pequenos para nossa sobrevivência. No oitavo dia, estávamos desesperados, porque a comida era completamente escassa e parecia que estávamos andando em círculos sobre um monte, cegos pela vegetação. Descendo um desses montes, finalmente avistei a Sakura na qual fui amarrado algumas vezes, próximo de minha casa. E corremos até o dojo.
Dentro do Dojo, papai estava resmungando. Hideki estava meditando e não encontramos Daiki. Perguntei a meu pai sobre ele, mas meu pai apenas continuou reclamando de nossa demora. Eu estava tão contente em vê-lo novamente, que nem me importei com toda a bronca.
Os pais de Tadashi e Takeshi ficaram sabendo do treinamento. Pensei que isso acarretaria um problema ao dojo, mas, pelo contrário, os pais deles estavam muito satisfeitos pelos que sairam meninos e retornaram homens.
Em casa, minha irmã mais velha não disse uma palavra. Ela parecia zangada comigo. Mamãe verificou se meu pai não nos observava e me abraçou, mesmo eu estando completamente sujo. Minha irmãzinha estendeu as duas mãozinhas abertas e dizia "Toru! Toru!" como se quisesse me abraçar. Ela tinha o sorriso mais doce. "Satoru! Vamos para o banho!" - chamou minha mãe aquecendo o Ofurô. Não preciso dizer que foi o banho mais gostoso de toda a minha vida!
Ao deitar em meu quarto, ouvi meu pai brigando com minha mãe. Disse, inclusive, que eu jamais me tornaria o homem que ele queria. "A família Masato está condenada, porque nunca teve um único filho homem." - papai dizia. E acho que ele queria que eu soubesse isso.
Mamãe fez como eu. Apenas ouviu. E, na certeza de que todos estavam dormindo, acho que tanto eu quanto ela choramos. Ela estava triste. Eu, apesar de tudo, tinha lágrimas de felicidade. [...]
It's serious, muito cativante a estória, estou aguardando o próximo capítulo.
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