O paradeiro de Andrezinho
- Quem está aí? - Insistiu a voz. Eu continuava batendo na porta. Ainda retomando o fôlego, respondi:
- Sou o mago Bierum. Por favor, deixe-me entrar.
- Consigo ver daqui, mago Bierum, que você vive neste mundo há muito tempo. Vá embora! Não preciso de um ajudante com essas experiências!
- Em verdade, preciso apenas falar com seu ajudante.
- Ajudante? Que ajudante?
- Seu nome é Sam Scott!
- Oh,sim! Esse ajudante! Me desculpe, mas eu mesmo selei esta porta para que somente ele passe. Não posso permitir que alguém com nível de magia apurado possa entrar em minha casa. De qualquer forma, Sam está buscando lenha. Ou estará caçando? Ou mandei-lhe até Thais buscar-me compras? Estranho... não consigo lembrar. Por que não estou lembrando?
- Agradeço. O senhor pode deixar que eu mesmo o procuro.
Até ali, muitos esclarecimentos foram-me feitos. Primeiro: o velho mago tem sérios problemas de memória, provavelmente por causa da idade. Segundo: Sam ainda estava ali. Porém, eu temia que ele estivesse em Thais. "Teria ele passado por baixo de meu nariz?" - me perguntava em pensamentos, por vezes vergonhosos - "O Grande Mago Bierum mostrando toda a sua astúcia..." - eu condenava a mim mesmo.
Segui muitos passos ao Sul, na esperança de encontrar Sam. Das matas, uma alcatéia faminta se dirigiu a mim. Dez lobos em uma marcha que, aos meus olhos, parecia já comemorativa. Não sei se é preciso dizer que o resultado dessa caçada fora-lhes desastrosa: bastou-me desferir uma única Onda de Fogo. Os lobos pereceram enfileirados na ordem de sua marcha. Havia muita carne pelo chão.
- Impressionante! - Exclamou uma voz jovial. - Então é assim que os magos lidam com grandes grupos inimigos? Lembra-me outros tempos...
Olhei para os lados e nada vi. Resolvi intimidar aquele que me espiava:
- Apareça! Não posso vê-lo, mas posso sentir sua presença!
- Isso é o domínio de sua energia mental? Você consegue me pressentir?
- Apenas sei de que lado vem a sua voz. E, considerando que estou diante de árvores e a Onda de Fogo não o acertou, além de invisível, você está escondido.
Ele tornou-se visível tão logo estava a minha frente.
- Muito bem! E bem que a Alys me disse que você era inteligente!
- Sam Scott?
- Ao seu dispor, jovem mestre. Eu sou nascido em um outro planeta. Mas certa manhã acordei em Nebula, sem nenhum poder. Alys veio em meu socorro e aconselhou-me a procurá-lo.
- E quanto ao velho mago que responde por seu atual mestre?
Sam segurou-me pelo braço e começou a falar baixo:
- Olhe, jovem mestre... aquele velho está caduco, e eu já não estou suportando. Ele pergunta meu nome o tempo todo e se esquece que sou seu ajudante. Sem contar que se esquece de várias tarefas que eu já fiz, às vezes em uma questão de minutos.
- Um mago tão poderoso quanto ele, nesse estado?
- É bem pior. E ele, muitas vezes, me escuta de longe. Creio que ele tenha controle mental de boa parte desta área. Por isso falo baixo.
- E quanto aos lobos?
- Se você fizesse jus à sua reputação, eles não seriam problema. E saiu conforme o que eu já havia imaginado.
- Certo, rapaz. Vamos a Venore imediatamente.
Com certa dificuldade, Sam Scott despediu-se do antigo mestre. Tomamos então o caminho do norte.
- Permita-me explicar, Scott, que Thais pode estar sendo afundada em sangue nessas últimas horas...
- Vejamos... há quanto tempo iniciou-se o ataque dos Orcs?
- Como você sabe que Thais estava sob ataque?
- Meu mestre não é muito lúcido, mas sua bola de cristal é. Eu vi o ataque. Por isso, quando saí de casa, levei comigo este Anel-esconderijo.
- Anel-esconderijo?
- Também o chamam de "Anel da Invisibilidade". Preciso explicar mais?
- Não...
- Como eu dizia, creio que Thais já deve ter revidado os ataques dos Orcs.
- Sobreviveriam ao ataque? De que forma?
Enquanto eu imaginava, Scott apenas explicava:
- Lembra da lei do Depósito Central? Ela não é apenas uma lei em Thais. Os magos do Rei Tibianus I fizeram uma barreira mágica em torno de todo o depósito. Nenhuma criatura maléfica entra ali. Nenhum ato de violência é tolerado.
- E aqueles que foram ao combate? - eu estava realmente curioso para saber como teria ficado Thais diante da situação que os deixei.
- Thais tem seus Cavaleiros de Elite, Paladinos Reais, Mestres Magos e Sábios Drúidas. O cavaleiro mensageiro Tom faz mais do que gritar. Ele também faz os chamados. Na certa, reforços chegaram e os Orcs retiraram-se ou lutaram até a morte.
Aquelas palavras me deixaram mais tranquilo. E, de fato, Thais tinha poças de sangue em suas calçadas. Mas não pude diferenciar o tipo de sangue entre humano ou Orc. Era como se uma grande chuva tivesse apenas passado por Thais. Naquele momento, a rotina já estava voltando, aos poucos. Pessoas por todos os lados. Muita gente na área de proteção do Depósito Central.
A multidão que estava prestes a encher as ruas abria caminho para os representantes do Rei. Scott e eu entramos na fila que cercava os guerreiros a caminho do castelo. Fiquei muito feliz ao reconhecer um dos Mestres Magos: era ninguém menos que Trin Galord.
- Sir Galord! - gritei entre a multidão, mas minha voz foi abafada pelos demais.
Conseguimos vagas no Depósito Central, onde Sam preparou melhor suas malas. Enquanto isso, eu procurava por Andrezinho. Tentativa vã. Pedi a Sam que fosse comigo até o Castelo de Thais. Talvez Trin Galord sabia de algo sobre Andrezinho. Os guardas do castelo não nos deixaram entrar. Não num dia de vitória. A noite chegava. Prestes a desistir, virei-me para Sam e fui interrompido antes de dizer qualquer coisa:
- Ora, se não é o mago Bierum?
Virei-me novamente para a entrada do castelo e ali estava Trin Galord em pessoa.
- Sir Galord! Preciso perguntar se você viu meu amigo na batalha contra os Orcs.
- Aquele cavaleiro com os cabelos longos e uma armadura negra? Tive a impressão de vê-lo, sim.
- E você sabe pra onde ele foi, ao fim da batalha?
- Ocupei-me dos Orcs mais fortes, não poderia dizer-lhe nada sobre isso... mas ele está desaparecido?
- Não o encontro desde a invasão.
- Acho melhor você encontrá-lo logo, Bierum... - disse Galord com certa autoridade - se ele não estiver ao alcance do vento, lembre-se que os Orcs não fazem prisioneiros...
- Então...
- O pior pode ter acontecido. Se o Rei Tibianus III não tivesse me chamado, eu o ajudaria.
- Já ajudou muito. Obrigado, Sir Galord!
Preparei-me para a caminhada noturna até Venore. Estávamos na saída da cidade de Thais. Sam dirigiu-se a mim com curiosidade:
- Professor, o que faremos para encontrar seu amigo?
- Eu perguntarei ao vento.
Pronunciei as palavras mágicas em direção aos campos. A resposta do vento, meu amigo, eu contarei - junto com muito mais de minha aventura - em nosso próximo encontro.
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